Protea works to speed up breast cancer treatment

Programa vai identificar os gargalos que provocam a demora no atendimento mulheres

Todos os dias, neste outubro, Gabriella Antici, acendeu uma vela. Não se trata de nenhuma devoção a algum santo. Decorativa, a vela exala aroma de alecrim e lhe traz alegria por ser uma edição especial para a campanha Outubro Rosa, voltada à prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama. A chama destaca o desenho do copo de vidro que a envolve: uma flor exuberante e resistente chamada protea, nativa da África do Sul e que deu o nome ao instituto que Gabriella fundou. Mas o fim de outubro traz junto uma angústia. Tão efêmeros quanto a luz de uma vela, os 31 dias do mês rosa são insuficientes para juntar os recursos necessários para o tratamento de uma doença que não escolhe mês para aparecer.

Surpreendentemente, o número de empresas parceiras do Instituto Protea, que oferece exames e tratamento a mulheres de baixa renda com câncer de mama, aumentou, de 58 em outubro de 2019 para 90 este ano. Por outro lado, a pandemia impediu a captação de outras importantes fontes de receita, como jantares beneficentes e palestras em empresas. Por isso, em 2020, o Protea ajudará a dar tratamento a número menor de pacientes do que inicialmente previsto. A ideia era chegar a 2 mil mulheres. Mas o total não deve passar de 1,2 mil, 11% menos do que em 2019.

Fundada em 2018, essa organização não governamental tem parte de seu conselho formado por mulheres que superaram o câncer de mama, incluindo a própria Gabriella, que enfrentou a doença por duas vezes.

Gabriella coleciona muitas histórias. Como a da moça pobre que enfrentou fila de seis meses para tratamento no serviço público e serviu de inspiração para ela criar o instituto. Ou as de jovens que já ouviram de médicos a acusação de estarem “procurando doença” quando se queixam dos nódulos.

Mas histórias não servem para estatística e nem respondem à principal indagação da equipe do Protea: o que provoca a demora, no serviço público, no acesso a exames, diagnóstico e tratamento de uma doença que só pode ser combatida com eficácia se identificada cedo?

“O câncer de mama é agressivo, mas, se detectado precocemente, tem 95% de chances de cura”, afirma Gabriella. Segundo dados que chegam ao instituto, em alguns hospitais da rede pública, 50% das mulheres iniciam o tratamento com a doença em estágio avançado. No atendimento particular, 17% chegam nas mesmas condições.

Para ajudar a descobrir os obstáculos que dificultam essa batalha o Protea juntou-se ao Instituto Tellus, empresa do terceiro setor voltada a projetos para o serviço público. Com o patrocínio de empresas que estão em fase de negociação, Protea e Tellus mapearão a jornada das pacientes e buscarão soluções que possam ser replicadas. O programa está pronto desde junho. Mas dependia de um acordo de cooperação com a Prefeitura de São Paulo. Por coincidência ou não, o Outubro Rosa ajudou a acelerar o processo. O acordo foi aprovado a dez dias do fim do mês.

Com o programa de identificação dos “gargalos” que provocam a demora no atendimento mulheres poderão ser poupadas de dramas como o de Joice, jovem de 32 anos, que desconfiou que havia algo errado em sua mama quando estava grávida de seis meses. “Isso é leite”, disse o médico do posto de atendimento. Inconformada, ela saiu em busca do verdadeiro diagnóstico. O tratamento começou três meses depois de o bebê nascer. Ainda prevalece a ideia de que câncer de mama atinge apenas pessoas mais velhas”, afirma Gabriella.

O programa começará em Itaquera, bairro da Zona Leste de São Paulo, onde fica o Santa Marcelina, hospital particular que atende pacientes do Serviço Único de Saúde (SUS) e principal base de atuação do Protea. O plano de rastreamento da jornada das pacientes será feito em três fases e levará três anos. Mas, a ideia é expandi-lo rapidamente, segundo Cristina Assumpção, diretora- executiva do Protea desde o ano passado.

Sem estímulo no trabalho numa consultoria da iniciativa privada, Cristina decidiu buscar um emprego voltado a uma causa social. Tornou-se o principal reforço de Gabriella, empresária que tem de dividir a presidência do instituto com uma intensa agenda de trabalho no mercado financeiro. Cristina ajudou a fazer a ONG funcionar como uma empresa e já está em busca de parcerias em hospitais do Rio.

Como os hospitais públicos não têm capacidade de atender a todos, o SUS credencia a rede particular ou filantrópica. Mas o repasse de recursos equivale a menos de 40% dos custos, segundo o Protea. Um tratamento de câncer de mama custa, em média, R$ 38 mil, incluindo cirurgia e quimioterapia, além do acompanhamento necessário ao longo de 11 meses.

Com a parceria com o Protea, o Santa Marcelina conseguiu aumentar o atendimento de casos confirmados de menos de 20 para 25 por mês. Para este ano, previam chegar a 30. Mas a queda no volume de doações atrapalhou os planos. Em 2019, as doações somaram R$ 2,3 milhões. A expectativa era chegar a R$ 2,5 milhões este ano. Mas, com a pandemia, a receita não passará de R$ 1,5 milhão.

O que estimula o trabalho do Protea, diz Gabriella, é o inconformismo com uma realidade sombria. A cada hora, duas mulheres perdem a vida para o câncer de mama no Brasil, segundo dados do Atlas de Mortalidade do Instituto Nacional de Câncer (INCA). O INCA estima que em 2020, 66 mil mulheres terão câncer de mama no país e mais de 16 mil perderão a batalha contra a doença. O cenário tende a piorar como consequência do cancelamento de consultas, exames e cirurgias durante a pandemia. “Teremos uma epidemia de câncer”, afirma.

Gabriella e Cristina não sabem explicar o que levou ao aumento no número de empresas que aderiram à campanha neste Outubro Rosa. Elas torcem para que seja o resultado da conscientização a respeito do câncer de mama. Mas a solidariedade em causas fora da covid-19 pode também ter sido provocada pela própria pandemia. Ao mesmo tempo, afirma Cristina, a urgência sanitária escancarou o abismo entre as classes sociais, principalmente na educação e na saúde.

A ajuda de empresas vem de vários segmentos. De escritórios de advocacia e empresas financeiras, como BTG Pactual e JPMorgan, a redes do varejo, como Lojas Marisa, uma antiga parceira, ou grifes de roupas e de artigos de decoração, como a Le Lis Blanc, que este mês reverteu o lucro da venda da vela com fragrância de alecrim para a campanha do Protea.

Ao final da entrevista, Gabriella acende a vela. Em seguida, folheia um livro que enfeita a mesa da sala de sua casa, repleto de fotos da flor africana que batizou o instituto. A protea é intensa, forte. O nome, diz, foi escolhido por simbolizar a capacidade de superação das mulheres que recebem o diagnóstico da doença. Por outro lado, ressalva, o câncer de mama não espera. “O tempo pode representar cura ou sentença de morte”.

Por Marli Olmos — De São Paulo
26/10/2020 05h00 

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