Quinzenalmente as pacientes beneficiadas pelo Instituto Protea se reúnem para encontros presenciais na sede do Santa Marcelina Saúde de Itaquera.
Casa Rosa.
Este é o nome do espaço onde o câncer de mama ganha nuances.
Para além de doença, passa a ser motivo;
Em vez de sentença, passa a ser visto como mais um desafio.
As histórias são muitas.
O diagnóstico, apenas mais um passo nas narrativas que se cruzam.
A vida segue, e chega longe. E é sobre o que se passa por trás de algumas delas o que você vai ler aqui.
OS ENCONTROS DO GRUPO DE APOIO
O bem-estar integral é fundamental para o bom andamento do tratamento oncológico – e qualquer outro – e, por isso, o Protea reúne esforços com voluntários e parceiros para oferecer atividades, vivências e atendimentos às pacientes beneficiadas que se tratam no hospital parceiro. No esquema abaixo é possível visualizar o funcionamento do Protea’s CORES – Cuidado Otimizado de Reabilitação Emocional e Social.
No último dia 18, 12 mulheres pacientes de câncer de mama vivenciaram uma sessão de Arteterapia presencial. A condução foi de Elde Bueno, Arteterapeuta Junguiana e parte da Equipe Protea, responsável pelos voluntários do Instituto e pelas ações e atividades oferecidas às pacientes beneficiadas no núcleo CORES.
O DESAFIO DA VULNERABILIDADE
Falar e refletir sobre si, pensar possibilidades para os desafios, sentir e nomear as emoções, encontrar na fala do outro identificação.
Essas são algumas das propostas de um grupo de apoio e, em muitos casos, podem ser demasiadamente difíceis de realizar sem orientação.
Nos encontros do Protea, o que se percebe vai além.
De um lado, mulheres que relatam ter pouco espaço, ferramentas, apoio, incentivo ou consciência para acessar sentimentos e questões de vida mais difíceis; do outro, voluntários ou equipe que, além de doar tempo e trabalho, encontram nessa troca carinho e propósito. Desde 2018, quando tudo começou, essa mistura tem sido ideal para sustentar um espaço acolhedor e de transformação.Nas palavras de Tiana:
“Amei o momento em grupo ontem, foi maravilhoso pra mim. Estava um pouco triste, mas sai de lá leve e feliz. Me emocionei muito, consegui respirar leve durante o encontro… Sou muito grata por esse momento.“
Diante dos desafios encontrados na jornada rumo à cura do câncer de mama, frequentemente as pacientes precisam redefinir os papeis assumidos até ali. Assim torna-se possível o encontro com a nova mulher: a que nasce com o diagnóstico.
Sua atenção e cuidado, muitas vezes deslocados e direcionados para os outros, precisam voltar-se para si mesmas; seus afazeres e compromissos que, dependendo delas, ficam sem andamento, precisam se orientar sem elas; suas relações interpessoais, agora com nova perspectiva, precisam ser redefinidas. O caminho pode ser solitário, e não há receitas para trilhá-lo. Ainda assim, a rede de apoio – principalmente composta por outras mulheres que trilham jornadas similares – e o constante autocuidado podem contribuir para uma experiência mais leve e amorosa nesse processo.
A ARTETERAPIA COMO FORMA DE EXPRESSÃO
Nos encontros com Arteterapia é difícil conter a emoção.
Seja porque a atividade proposta mobiliza sentimentos e memórias intensas, ou porque as expressões criativas resultantes reforçam o quanto de vida há em cada paciente ali presente, a Casa Rosa é terreno fértil para mudanças positivas e reverberações do trabalho do Protea no individual contido no coletivo.
Nas palavras a Marisa: “Para mim foi um tempo precioso. Como é importante você se ouvir e transferir tudo que está dentro de você de uma forma tão delicada e precisa! 😍 Um momento libertador. Obrigada.
A estruturação de cada atividade proposta por voluntários no Instituto leva em consideração duas perguntas base:
O que é possível fazer para promover bem-estar às pacientes?
De que forma o que planejamos pode impactá-las?
Neste sentido, a sessão arteterapêutica “Encontro de si na Coletividade”, criada para as pacientes, parte da premissa de que reconhecer e nomear as próprias emoções pode auxiliar no processo de assimilação, entendimento e reflexão sobre questões cotidianas pessoais – mas não só relativas à doença – e coletivas.
A começar pelo uso de instrumentos musicais não convencionais e um baralho de emoções, o objetivo foi de provocar novas sensações, despertar curiosidade e abrir espaço para expressar as percepções através de desenho livre, com olhos fechados, confiando apenas na sensibilidade das mãos. Entre risadas, diferentes ritmos de rabiscos no papel, hesitação e muita entrega, os olhares surpresos e comentários divertidos tomaram conta da primeira etapa do trabalho.
Pelas palavras da Socorro: A arte como forma de comunicação ajuda a expressar e comunicar sentimentos, e a Arteterapia ajuda você facilitando a reflexão e permitindo as mudanças no comportamento de cada um. Isso também nas expressões de sentimentos e emoções, sejam elas Pintura, Desenho, Dança e música. Foi isso o que tivemos no encontro, e foi maravilhoso: eu senti meus sentimentos e emoções.
Já na segunda etapa, o desenho inicial criado a partir do rabisco de cada uma das pacientes foi rodeando o grupo, uma por vez, sofrendo intervenções das colegas, com tinta, até que retornasse o desenho original à sua criadora; neste momento já completamente transformado.
O ENCONTRO COM O VAZIO – MEDO E DESAFIOS
Nem sempre a felicidade e a leveza são a tônica dos encontros.
Por vezes, a saudade ou a notícia da perda de alguma vida que não resistiu à doença abalam e silenciam as risadas de alegria. Em outros momentos, o a recidiva ou o medo dessa possibilidade são constantes no pensamento. Para Luzia, que há pouco tempo perdeu a visão de um olho como consequência da pressão arterial elevada, o medo se fez presente:
A minha palavra foi medo, na atividade. Mas tenho certeza de que Deus está no controle de tudo, olhando pra todos nós, é só ter paciência e fé. Ele sabe de todas as coisas. Foi uma atividade pra externar sentimentos, mostrar nossos medos, nossas alegrias, nossos temores, mas também ver que juntas somos mais fortes. Quando há amor, não tem medo que prevaleça. Unidos somos mais fortes.
Possibilitar o contato próximo e seguro com sentimentos pouco explorados e potencialmente difíceis de lidar no cotidiano pode ser uma forma importante de apoio e auxílio a qualquer pessoa em sofrimento, mas neste caso, às pacientes que sofrem com as sequelas e reorganizações necessárias pós-diagnóstico. O potencial do grupo de apoio enquanto espaço de troca e ressignificação é enorme, e se faz evidente quando, ao final de uma atividade ou encontro, uma nova percepção sobre si é alcançada a partir da identificação sobre como se sente diferente.
Nas palavras de Edna:
Eu simplesmente amei. Foi uma experiência bem diferente, você viu que eu senti até um cheiro que não tinha lá? Pra mim foi ótimo. Me senti muito bem.
E, ainda, na visão da Francisca:
A gente se sente mais leve quando a gente expressa o sentimento que a gente tem lá dentro. Foi muito bom pra mim. E eu não tinha feito ainda, né? Arteterapia, assim, em roda, como fizemos. Foi um momento maravilhoso, além de divertido, ver se transformando aquilo ali que criamos… do nada, [um desenho pequeno] se transformou em desenho grande. Fiquei impressionada em como um coraçãozinho tão pequenininho, quando chegou de volta na dona, estava tão enorme, tão lindo! Fiquei maravilhada e impressionada com o resultado de tudo [no trabalho em conjunto]. Ver os desenhos se transformando por cada uma que passava, foi muito bonito. Eu me senti emocionada, de verdade.
NOVOS CAMINHOS, CONFIANÇA NO DESCONHECIDO
A longo prazo, o contato mais próximo e orientado com os próprios sentimentos pode ajudar, por exemplo, na autoconsciência, no fortalecimento da própria personalidade, no reconhecimento dos desejos e limitações e, também, na ampliação da capacidade de visualizar possibilidades para escolhas e tomadas de decisões. Todas estas aptidões compõe uma base importante para melhorar as habilidades socioemocionais das pacientes, que ficam fragilizadas durante o tratamento, além de possibilitar mais facilidade na aceitação do diagnóstico. Segundo Lingiardi (2021):
“São enormes o medo de regredir e a angústia de não voltar a funcionar como antes. Só se formos capazes de reconhecer e até mesmo valorizar, em alguns casos, a transformação psicológica exigida por uma enfermidade poderemos tolerar os inevitáveis estados de tristeza, impotência e dependência que a doença traz consigo. […] Um indivíduo com a personalidade em pleno funcionamento e, portanto, apto a empregar defesas maduras, normalmente consegue adaptar-se à mudança, mesmo com esforço. […] O que permite a uma pessoa doente conviver com seu diagnóstico, aceitando-o e procurando ‘sofrê-lo’ o menos possível, é a capacidade de sintoniza-se com o próprio mundo emotivo mantendo-o em equilíbrio com o mundo externo (e isso tem muito a ver com o modo como cuidaram de nós).” (LINGIARDI, 2021, p. 76)[1]
Acompanhar outras histórias de perto ajuda, portanto, a redimensionar a própria vivência. Mulheres que, sem perspectiva, sentem-se sozinhas, ao se reconhecerem na fala de outra enxergam esperança além de companhia.
Ampliar os próprios horizontes é tarefa difícil para mulheres que vivem em um universo limitado economicamente, socialmente e, com o diagnóstico, fisicamente também. É somente através da rede que se constrói dia a dia, com doadores, parceiros, profissionais da saúde, voluntários, conselheiros e equipe que isso se torna possível no Instituto Protea.
Se você tem um projeto ou gostaria de oferecer seu trabalho como atividade para as pacientes benefiicadas do Instituto, em Itaquera (SP) ou online, conte para nós aqui!
Não esqueça: juntos somos mais fortes.
Sempre com muita esperança,
Protea Team.
[1] LINGIARDI, Vittorio. Diagnóstico e Destino. Belo Horizonte: Âyiné, 2021